Com leilão, tecnologia está mais perto de ser instalada no Brasil, mas gargalos na infraestrutura podem ser entrave à implantação rápida

Em 24 de setembro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou as regras para o leilão da tecnologia 5G no Brasil. Com ela, abrem-se as portas de uma revolução nos processos produtivos, com enorme potencial de impacto para o desenvolvimento do país, e a expectativa do governo é realizar o leilão no dia 4 de novembro deste ano. Assim, o 5G deverá estar disponível em todas as capitais brasileiras no segundo semestre de 2022. Antes disso, porém, será preciso superar alguns desafios para garantir a oferta da nova tecnologia.
Luciano Stutz, presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações (Abrintel), afirma que o principal desafio está na instalação das antenas e da infraestrutura exigida pela nova tecnologia. Como o 5G engloba faixas de espectro baixas, médias e altas, que servem a diferentes aplicações, ele demandará um número maior de antenas, para garantir o bom funcionamento do sistema e a velocidade adequada.
Compreender os problemas que a tecnologia 5G  enfrentará, diz Stutz, implica entender a situação do 4G. Hoje, afirma, já há barreiras nas legislações municipais para implantar novas estruturas. Isso ocorre porque a competência para legislar sobre a ocupação do solo é dos municípios, que editaram leis à época do 3G limitando a instalação de torres de celular com mais de 50 metros de altura.
“As leis foram construídas em outra realidade tecnológica, mas o mundo mudou”, resume o presidente da Abrintel. Segundo ele, o 4G já chegou sendo prejudicado, porque leis da época do 3G proibiram a instalação de torres perto de escolas, hospitais, clínicas e asilos. “O resultado disso é que as grandes periferias continuaram crescendo, as cidades continuaram a expandir suas fronteiras, e as novas zonas urbanizadas acabaram carentes de infraestrutura”, relata.
Dados da Conexis Brasil Digital mostram que mais de 5 mil pedidos de instalação de novas antenas aguardam licenciamento em todo o país. Em média, é preciso esperar um ano para ter a licença aprovada. Com isso, a liberação não acompanha o ritmo da demanda por novos serviços, que aumentou durante o período da pandemia em função das medidas de isolamento, do trabalho em home office e das aulas a distância. No Brasil, 97% dos usuários de internet acessam a rede por meio de smartphones, o que exige ampliar a infraestrutura de telecomunicações.
Sérgio Sgobbi, diretor de relações institucionais e governamentais da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), critica a ausência de padronização legislativa sobre o assunto. “Os entendimentos e conhecimentos a respeito do tema, pela pulverização de municípios, são muito diversos”, avalia.

Sérgio Sgobbi (Brasscom) critica o excesso de entendimentos diversos em cada município sobre a instalação de antenas
Sérgio Sgobbi (Brasscom) critica o excesso de entendimentos diversos em cada município sobre a instalação de antenas

Além disso, os municípios precisam ter uma legislação menos restritiva, afirma Sgobbi. “Se restringir a instalação, o município ficará sem o benefício ou irá para o final da fila”, prevê. Ele cita leis que impedem, por exemplo, a instalação de infraestrutura em um raio de 50 metros a partir de escolas, hospitais e clubes. “Você pega determinada região onde há esse tipo de estrutura e percebe que não há condição de instalar a antena”, comenta.
Entre os principais problemas identificados nas legislações municipais, estão a restrição para instalar antenas em praças, avenidas, ruas e outros bens públicos onde costuma haver grande circulação de pessoas. Em algumas cidades, há impedimento ou restrição para instalar em determinados zoneamentos, bairros ou áreas tombadas pelo patrimônio histórico e cultural, conforme dados do movimento Antene-se, que defende o fortalecimento da infraestrutura de telecomunicações.
Stutz, que também preside o Antene-se, explica que a relação de até mil habitantes por infraestrutura de telecomunicação seria um número aceitável para uma boa conectividade no Brasil. Atualmente, nenhuma capital brasileira está abaixo desse número.

"As leis foram construídas em outra realidade tecnológica, mas o mundo mudou", diz Luciano Stutz (Abrintel(
“As leis foram construídas em outra realidade tecnológica, mas o mundo mudou”, diz Luciano Stutz (Abrintel(

“O 5G é essencial para a indústria brasileira, mas também é importante falar que sem infraestrutura não há conectividade. Todo esse ambiente de transformação digital só vai valer se a população tiver acesso. Isso só vai acontecer com antenas e torres”, diz ele.


Conforme o superintendente de planejamento e regulamentação da Anatel, Nilo Pasquali, os municípios têm adotado, nos últimos anos, regras que facilitam a implantação de infraestruturas urbanas. Como a tecnologia 5G demandará a instalação de grande volume de estações de radiocomunicação, “os órgãos municipais competentes estão cientes da importância da rápida atuação para remover barreiras ao licenciamento, sob pena de atrasarem a oferta do serviço na região ou em parte dela”, afirma.
Marcos Ferrari, presidente-executivo da Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (ConTIC) e da Conexis Brasil Digital, afirma que há três grandes desafios a serem superados para que o Brasil possa aproveitar ao máximo a tecnologia do 5G: infraestrutura, tributação e segurança. Com o intuito de melhorar a infraestrutura, o setor defende a atualização de leis municipais.
“O país tem hoje mais de 300 leis locais que criam empecilhos para a instalação de antenas”, diz Ferrari. Segundo ele, a autorização para instalar antenas precisa ser simplificada.  “É preciso tratar uma antena que tem o tamanho de uma caixa de sapato como uma antena do tamanho de uma caixa de sapato. Não é como uma obra de construção civil, que exige licenciamento ambiental e alvará da prefeitura”.
Com relação à tributação, ele destaca que, no Brasil, o setor é um dos mais tributados, assim como a internet. Quase metade da conta dos serviços de telecomunicações vai para impostos e taxas obrigatórias, diz ele, acrescentando que, em 2020, o setor pagou R$ 60,6 bilhões em tributos, o equivalente a 42% da receita líquida. “A conectividade é essencial para o desenvolvimento econômico do país. Taxar a conectividade é taxar o futuro do Brasil”, critica.
“Além disso, temos enfrentado, nos últimos anos, uma questão muito sensível, que é o furto e o roubo de cabos de telecomunicação”. Esse problema de segurança afeta a prestação do serviço e gera prejuízo para as empresas e para milhões de brasileiros. No primeiro semestre de 2021, diz Ferrari, foram furtados 2,3 milhões de metros de cabos de telecomunicações, uma alta de 14,5% em relação ao primeiro semestre de 2020. “Para ter uma ideia do tamanho do problema, com essa quantidade de cabo, daria para cobrir o caminho entre as cidades do Rio de Janeiro e de Buenos Aires, na Argentina”, conta.

5G a caminho
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