Primeira versão da estratégia nacional, que vai orientar esforços de pesquisa e desenvolvimento no
setor, será lançada sem aguardar término de estudo encomendado pelo governo sobre o tema;
apesar de tropeços, especialistas estão otimistas com iniciativa
Daqui cerca de um mês, representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), sob a gestão de Gilberto Kassab, vão embarcar para Barcelona, na Espanha, para revelar o Plano Nacional de Internet das Coisas durante o Mobile World Congress (MWC), principal evento de tecnologias móveis do mundo. O documento, que pretende mostrar o País na vanguarda da revolução que vai conectar todos os objetos à nossa volta, porém, estará incompleto: em vez de definir objetivos, traçar metas claras e um plano de ação, ele deve trazer apenas linhas gerais sobre as intenções do Brasil.
A apresentação do plano é considerada prematura por fontes consultadas pelo Estado. “Eles deveriam consultar mais o setor antes de lançar o plano”, disse uma fonte. “Para essa primeira versão, eles devem estar se baseando em estudos internacionais.”
As críticas rondam o governo, porque o plano será anunciado pouco mais de dois meses desde que o ministério assinou um acordo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em conjunto, eles contrataram um consórcio – formado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), pela consultoria McKinsey Brasil e pelo escritório Pereira Neto/Macedo Advogados – para fazer uma ampla pesquisa sobre o tema. O estudo, que vai custar R$ 17,5 milhões, deveria ser a base para o plano nacional.
Atualmente, o consórcio mapeia as soluções de internet das coisas mais avançadas no mundo e define as aspirações brasileiras. “Vamos usar a consulta pública do ministério sobre o tema, que termina no início de fevereiro, para compor essa primeira fase”, conta Vinícius Garcia de Oliveira, responsável pelo estudo no CPqD.
A segunda fase do estudo vai delinear o mercado potencial para internet das coisas no País, além de identificar quais setores produtivos podem se beneficiar das tecnologias. Embora relatórios sejam entregues ao governo nesse ínterim, a previsão é de que só na terceira fase sejam definidas as áreas prioritárias e tecnologias que serão alvo de pesquisa e desenvolvimento. A partir daí é que políticas públicas serão definidas.
Em entrevista ao Estado, o secretário de política de informática do MCTIC, Maximiliano Martinhão, afirmou que o governo vai apresentar, na verdade, uma versão preliminar do Plano Nacional de Internet das Coisas em fevereiro. Ela será atualizada com o andamento do estudo. “São diretrizes”, diz Martinhão. “Vamos sair do conceitual para uma primeira aproximação.” Segundo secretário, o ministério vai realizar outras consultas públicas ao longo do ano para ouvir as sugestões e críticas dos interessados.
Conteúdo. A principal preocupação no mercado é que o governo use o plano para tentar criar uma indústria local de hardware, estratégia que não deu certo no passado. “Se focarmos em dispositivos, disputaremos uma cadeia de menor valor”, avalia o executivo-chefe de negócios do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar). “O maior valor está no software.” Recentemente, o Cesar criou uma plataforma permitindo que diversos objetos conectados se “conversem”.
Em uma reunião na semana passada no MCTIC, o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), Francisco Camargo, também defendeu a aposta em serviços. “Somos bons em software”, diz Camargo. “E o investimento é significativamente menor.”
Outros pontos de atenção para a elaboração do plano incluem a adoção de padrões globais de interoperabilidade entre dispositivos; regulamentação adequada; oferta de capital de risco para startups; e mudanças na relação entre universidades e empresas.“É preciso criar uma cadeia para que as pesquisas se transformem em negócios”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), Lisandro Granville.
Positivo. Apesar dos tropeços iniciais, especialistas elogiam a iniciativa do Brasil. Como trata-se de um setor muito novo, ainda não há nações com vantagem competitiva em relação às demais. “Há uma grande oportunidade”, diz Daniel Castro, diretor do Center for Data Innovation, entidade sem fins lucrativos baseada em Washington, nos Estados Unidos. “Poucos países têm sido proativos em criar políticas desse tipo.”
Países como China, Cingapura e Índia têm feito as apostas mais significativas – o Brasil, por enquanto, não prevê verba específica para internet das coisas. “Eles investem em pesquisa e desenvolvimento, mas o governo também tem atuado como parceiro das startups. Isso faz uma tremenda diferença.”
Claudia Tozetto – O Estado de S.Paulo