O governo federal decidiu ontem (29/3) acabar com as medidas de desoneração da folha de pagamentos, para conseguir atingir a meta de déficit primário definida para o orçamento deste ano.
A decisão afeta o setor de tecnologia da informação (TI). As empresas do setor podiam optar por recolher 4,5% do faturamento bruto para a Previdência Social.
Com a medida, que deve entrar em vigor em 90 dias, não existe mais opção. Todas as companhias precisam recolher 20% sobre a folha.
O inova.jor conversou com Sergio Gallindo, presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), sobre os impactos da mudança.
Vocês sabiam que isso estava para acontecer?
Do jeito que aconteceu não. A gente já sabia que esse tema já estava em discussão há tempos dentro do governo, que havia uma corrente favorável à eliminação completa da desoneração da folha.
A gente vinha tentando estabelecer canais de diálogo e ter uma interlocução com o governo, mas o que acontece nesta semana pegou todo mundo de surpresa.
Qual é a aderência do setor à desoneração?
Não existe estatística oficial sobre isso. O que podemos fazer no máximo é dar uma estimada no que provavelmente está acontecendo.
Para empresa grandes, que têm muita força laboral na sua entrega, o recolhimento sobre receita é o preferido. Na verdade, quando se faz a conta, é mais vantajoso.
Para empresas de pequeno porte, mas muito pequeno mesmo, é mais vantagem recolher sobre a folha.
O que acontece, na verdade, é que essa opcionalidade, e a gente alertou na época em que foi feita, é um convite à informalidade.
Pequenas empresas que venham a se sentir de alguma forma pressionadas pela questão de custo podem ter uma tentação muito grande de pegar os seus poucos empregados e jogar na pejotização.
Com uma folha muito reduzida, contribuem sobre a folha de pagamentos.
Intuitivamente, diria as grandes empresas de tecnologia do Brasil se mantiveram a contribuição sobre a receita bruta.
Qual deve ser o impacto da medida sobre o setor?
A análise que podemos fazer é que haverá impacto de desorganização do setor.
As grandes empresas – que têm prestação de serviços de TI, combinação de software com serviços, aplicação etc. – chegam tranquilamente a 70% da receita bruta correspondendo à folha de pagamento.
Pois 20% de tributação sobre 70% da receita bruta são uma carga tributária de 14%. Se comparar isso com a alíquota 4,5%, é um aumento de 9,5% de carga tributária nas empresas.
Empresas muito intensivas de mão de obra às vezes não têm 9,5% de margem. Tem empresas que trabalham com margens menores que essa e dependem muito do volume.
Uma reversão dessa no meio do exercício fiscal põe a empresa no vermelho.
Como as empresas podem enfrentar esse aumento de imposto?
Podemos vislumbrar alguns cenários, todos absolutamente indesejáveis para o Brasil.
As empresas grandes, que geram a maior parte dos empregos, devem tentar primeiramente fazer um enxugamento de custos, um ajuste de salário ao mercado.
Vão pegar os profissionais mais caros, demitir e contratar outros mais baratos. Isso é um desgaste, porque tem um custo da rescisão para pagar e depois tem um custo indireto, intangível, de pegar um funcionário novo, treiná-lo, colocá-lo na cultura da empresa e depois para produzir.
É um ajuste de altíssima ineficiência. Dinheiro, tempo e esforço para nada. Quer dizer, para reduzir custo, mas sem produzir nada novo.
Sobre a segunda possibilidade, já falei. A empresa fica no vermelho, não consegue fazer o ajuste e desaparece.
A terceira possibilidade é de as empresas que têm menor aversão ao risco serem seduzidas a pegar a folha e jogar tudo para PJ (pessoa jurídica).
Aí o que acontece é que o empregado, e nosso empregado é muito esclarecido e bem informado, vai fazer disso uma poupança judiciária.
Com seis meses nessa situação ele já caracteriza vínculo empregatício, e as empresas vão ficar atoladas de passivos trabalhistas.
Mesmo com o projeto de lei da terceirização?
Esse projeto de lei que legitima a terceirização não tem esse condão de permitir a pejotização generalizada não.
Ele é extremamente pertinente, bem-vindo para o Brasil, porque tira a insegurança jurídica das relações empresariais.
A Justiça do Trabalho condenava empresas por cometer o ato ilícito de terceirizar a atividade fim. Isso acaba com a nova lei.
Estou falando de um grande banco, uma grande empresa de bens de consumo ou uma grande indústria que pega lá seu departamento de TI e chama lá uma empresa de grande e diz: vou terceirizar essa área para você.
Porque o pessoal de TI tem de ser constantemente treinado, porque a tecnologia está sempre mudando, porque não é o foco dela se preocupar com isso.
É essa terceirização que a lei vem pacificar.
Agora, se tirar o empregado, pedir para ele criar uma empresinha, contratá-lo pela empresinha e permanecer com ele por um período muito longo, em que fique caracterizada a pessoalidade, a habituidade e a subordinação, a lei não vai dizer que isso é terceirização.
Continua sendo relação de emprego.
Quantas pessoas podem perder o emprego por causa da fim da desoneração?
Dá para calcular, dá para fazer essa estimativa, mas eu não fiz ainda. Estou com o dever de casa de fazer, mas demora um pouco para ajustar o modelo.
Mas, de 2015 a 2016, com a combinação da reoneração (elevação da alíquota sobre faturamento de 2% para 4,5%), que já foi um baque, mais a crise econômica, o setor dispensou 64% dos profissionais que tinham contratado nos quatro anos anteriores.
O saldo líquido foi de 76 mil e 64% disso já foram embora. Se essa medida vem para ficar, acho que o choque de custos vai ser violento e o mercado em recessão não vai aceitar esse aumento de preço. Vai haver uma espiral descendente muito mais rápida.
Renato Cruz, Inova.Jor