“A desoneração não teve impacto positivo; por que a reoneração teria impacto negativo?”,
diz ex-Diretor do BC. Entidades discordam

São Paulo – O fim da desoneração da folha de pagamentos está causando reação em setores da economia brasileira.
A medida foi anunciada ontem pelo ministro Henrique Meirelles como parte do esforço para cobrir um rombo adicional de R$ 58 bilhões nas contas do governo devido ao crescimento abaixo do esperado.
A aplicação será feita por Medida Provisória, estimada para entrar em vigor em julho com impacto de R$ 4,8 bilhões em receita para o governo já em 2017.
“Tomamos a decisão de corrigir um processo do passado (…). Essa medida gerava uma perda fiscal para a União e era esperado que isso gerasse um crescimento rápido para o Brasil. No entanto, isso não gerou os efeitos esperados”, disse Meirelles.
Para Fábio Romão, economista da LCA Consultores, o efeito da medida sobre o desemprego é incerto. Alexandre Schwartsman, ex-Diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, não crê em alta:
“O valor é pequeno e, vamos falar a verdade: a desoneração não teve impacto positivo no emprego; por que a reoneração teria impacto negativo?”.
Foram mantidas como exceções os setores de transporte por ônibus, metrô e trem, construção civil, obras de infraestrutura e comunicação.
Meirelles disse que esses foram os setores onde a desoneração deu mais certo. O economista Raul Velloso disse ao Estadão que o critério deve ter sido a pressão política (“onde a resistência se fez maior”).
10 setores concentram 67% da renúncia, segundo dados compilados pelo Valor. O custo total da renúncia para o governo foi de R$ 77,9 bilhões entre 2012 e 2016, segundo a Receita Federal.
Histórico
O benefício começou em 2011 e permitia às empresas trocar a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento por um percentual sobre o faturamento.
A alíquota ficava entre 1% e 2%. Com mudanças promovidas em 2015, já como parte do ajuste fiscal, hoje a alíquota fica entre 1% e 4,5%, dependendo do setor.
O número dos que optaram pela desoneração diminuiu 45% entre 2015 e 2016 e o custo atual para o governo está atualmente em cerca de R$ 1 bilhão por mês, segundo dados da Receita Federal.
A ex-presidente Dilma Rousseff disse recentemente que as desonerações fiscais (que não se resumiram à folha de pagamento) foram um “grande erro”:
“Eu acreditava que, se eu diminuísse impostos, eu teria um aumento de investimentos (…) Eu diminuí e me arrependo disso. No lugar de investir, eles (empresários) aumentaram a margem de lucro”.
Veja o que algumas entidades divulgaram hoje sobre o assunto:
Associação Comercial de São Paulo (ACSP)
“A reoneração vai retardar a recuperação econômica brasileira. A medida tem o mesmo efeito de um aumento de imposto. Pode até ser correta porque corrige uma distorção gerada por uma decisão tomada no passado, mas está sendo aplicada num momento inoportuno, devido à situação da economia e do emprego”, diz a nota assinada por Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp).
Força Sindical
“O fim da desoneração da folha de pagamento é uma reivindicação histórica do movimento sindical. Foi uma das primeiras apresentadas pelos trabalhadores ao atual governo. A medida efetivada agora ajuda a recompor o caixa da Previdência. Para que tenha maior eficácia, deverá ser ampliada até chegar a todos os setores da economia”, diz nota oficial assinada por Paulo Pereira da Silva (Paulinho), presidente da Força Sindical.
Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)
Em nota oficial, Paulo Skaf, presidente da Fiesp e do Ciesp, disse que “houve sensibilidade” do governo e em especial do ministro Henrique Meirelles.
“O bom senso prevaleceu, e optou-se por contingenciar recursos do Orçamento, pela receita de concessão de ativos da União e por promover a isonomia na forma de recolhimento de algumas contribuições e impostos. Foi uma medida sensata e responsável, que evita um mal maior.”
Skaf está por trás, desde 2015, da campanha “Não vou pagar o pato”, que usa patos infláveis gigantes como símbolo para atacar possíveis aumentos da carga tributária como instrumentos do ajuste fiscal.
Na última sexta-feira, a Fiesp publicou um anúncio nos grandes jornais do país com o título “O que é isso, ministro?” afirmando que a sinalização de alta de impostos por Meirelles “causa total indignação”. Na segunda-feira, Skaf se reuniu com o ministro para discutir o tema.
Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro)
“O Sistema FIRJAN considera um lamentável retrocesso o fim da desoneração da folha de pagamentos, que na prática representa um aumento da carga tributária. A medida desestimula as empresas exatamente quando o emprego começa a dar os primeiros sinais de retomada após dois anos.
A indústria da transformação será a mais atingida, pois já é penalizada com a maior carga tributária da economia brasileira. Quase a metade de tudo o que produz é direcionado ao pagamento de impostos.
Alguns setores serão seriamente afetados, justamente aqueles que estão entre os maiores empregadores. Os fabricantes de alimentos, equipamentos de transportes e de couros empregam mais de 2,7 milhões de trabalhadores e deverão arcar com 62% do ônus que caberá à indústria.
O Sistema FIRJAN reforça a necessidade de o governo buscar o equilíbrio das contas públicas não por meio de aumentos de impostos, mas sim através de medidas como um amplo programa de venda de ativos públicos. É preciso valorizar e não penalizar as empresas que ainda sobrevivem à maior recessão da história do País”, diz nota enviada pela entidade.
ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção)
“O fim da desoneração da folha de pagamentos é o aumento de impostos, e isso tem um impacto tão ruim quanto um aumento de alíquota para as empresas. Evidentemente, que como já houve um primeiro round de reduções com o então ministro Levy, o número de empresas que será afetado no setor têxtil e de confecções será menor. (…)
Então é lamentável que mais uma vez venha a cair sobre o contribuinte os desajustes das contas públicas que não é fruto da incompetência do setor privado, mas da gastança pública, da falta de eficiência e da falta de controle nos gastos, e de uma série de outras malversações dos fundos públicos”, diz parte da nota assinada pelo presidente Fernando Pimentel.
Sindivestuário (Sindicato da Moda)
“Com o aumento de custos, não há dúvidas de que haverá um significativo aumento nas demissões do setor de vestuário, notadamente de mão de obra intensiva. No contexto geral é péssimo e praticamente coloca uma pá-de-cal na produção brasileira de roupas (…) É muito fácil aumentar impostos. Mas é um golpe fatal à atividade da indústria do vestuário brasileiro”, diz comunicado para a imprensa do presidente Ronald Masijah.
ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas)
“A ABEAR estima que o fim da desoneração aumentará o custo do setor aéreo em R$ 350 milhões/ano, isso em um momento em que o setor enfrenta 19 meses consecutivos de retração”, diz nota enviada pela entidade.
ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software), Assespro (Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação), Brasscom (Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação) e Fenainfo (Federação Nacional das Empresas de Informática)
“A experiência do setor de TIC, com a desoneração da folha de pagamento é emblemática do quão positivos podem ser os efeitos de políticas públicas voltadas a redução da onerosidade sobre o custo do trabalho. (…)
A reoneração previdenciária recém anunciada é um duro golpe em um dos setores mais transversais na economia, impulsionador da inovação e da produtividade, fator crítico para a recuperação da competitividade do Brasil. A substituição da alíquota de 4,5% incidente sobre a receita bruta por uma tributação de 20% sobre a folha de pagamentos representa um choque de custo sobre as empresas que dificilmente será absorvido pelo mercado”, diz parte da nota assinada pelos presidentes das associações.
Exame, João Pedro Caleiro

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