Por Jornal Nacional

Desde o início da pandemia, o número de consumidores que reclamaram de atraso
nas entregas saltou de 73 mil para quase 190 mil por mês.

O aumento das vendas pela internet na pandemia deixou à mostra os maiores desafios do comércio eletrônico no Brasil. É a quarta reportagem do Fábio Turci na série especial sobre a vida online.

A compra tem a velocidade de um clique. Já a entrega da compra… As vendas pela internet mais do que dobraram na quarentena. Isso ajudou muita gente a ficar em casa e deixou os problemas do comércio eletrônico mais visíveis. Desde o início da pandemia, o número de consumidores que reclamaram de atraso nas entregas saltou de 73 mil para quase 190 mil por mês.

As empresas que armazenam e transportam os produtos afirmam que três problemas principais atrapalham a distribuição: roubo de cargas, congestionamentos e falta de vagas para carga e descarga.

“Em países mais desenvolvidos, onde você tem um transporte mais eficiente, você tem rodovias melhores, você tem uma malha aérea melhor etc, o que acontece é que os estoques são menores, porque você pode entregar com mais rapidez, usufruindo desse sistema bom de transporte. Não é o caso do Brasil. No Brasil, nós temos que formar estoques porque não podemos confiar no nosso sistema de transporte ainda”, avalia Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral.

E sabe quem paga por isso?

“Fica bem mais caro, porque o preço dos estoques é inserido no preço do transporte, então aqui nós temos a chamada logística integrada onde o consumidor final paga pelos estoques e pelo transporte”, diz Paulo Resende.

Os produtos que a gente compra pela internet costumam ficar estocados em grandes centros de distribuição. Dali, os caminhões saem para rodar, às vezes, centenas de quilômetros até o consumidor final.

Na pandemia, com o aumento nas vendas de uma hora para outra, uma rede de lojas teve que reorganizar a distribuição. Passou a montar estoques nos fundos de algumas lojas.

“Hoje, a gente está com mais de 700 lojas na empresa como minicentro de distribuição. Então o cliente, agora, quando ele compra no site, a primeira busca de estoque é a loja próxima da região dele”, explica Luís Fernando Kfouri, diretor de logística do Magalu.

Em alguns casos, não é que a compra demora. Ela simplesmente não chega.

“Eu me senti muito lesada. Primeiro pelo prejuízo de não ter recebido o produto e depois também por não ter recebido nenhuma resposta do anunciante, que eu acho que esse é um dos piores motivos aí para essa frustração”, conta Thaís França, publicitária.

Durante a pandemia, Thaís fez duas compras que nunca chegaram.

“Eu tive um prejuízo aí de R$ 320”, lamenta.

Não há um levantamento nacional sobre golpes aplicados em compras pela internet, o chamado e-commerce. Mas as tentativas de fraude que foram evitadas somaram mais de R$ 700 milhões de janeiro a junho. Esse número é 63% maior do que o do mesmo período de 2019.

“Nunca se comprou tanto pela internet e nunca se vendeu tanto pela internet. Relativamente, a gente pode dizer até que o e-commerce se tornou mais seguro nesse momento de pandemia, não porque houve menos fraudes, mas porque o crescimento de fraudes foi inferior ao crescimento de vendas boas”, analisa Bernardo Lustosa, presidente da ClearSale.

“Isso não é de graça, tem talentos por trás disso para programar, para garantir, para monitorar e para reagir a qualquer tentativa de causar insegurança para os consumidores”, afirma Sérgio Gallindo, presidente-executivo da Brasscom.

A segurança nas compras pela internet depende de profissionais de tecnologia da informação. Também são eles que desenvolvem sites e aplicativos de compra que ajudam a tornar a logística mais inteligente. Mas, há anos, o Brasil sofre com a falta desses profissionais.

“O sistema de ensino brasileiro forma 42 mil profissionais por ano. E a demanda que nós estimamos para os próximos cinco anos é de 70 mil profissionais por ano. O Brasil vai começar a sentir que a falta de profissionais qualificados vai ser um grande dilema, um grande desafio para o país superar”, avalia Sérgio Gallindo.

A pandemia acabou empurrando a gente para uma vida mais conectada, mais dependente de internet, computador, dispositivos móveis como o celular. Mas quanto cada um de nós vai viver conectado é uma decisão pessoal. A gente avalia os problemas, os custos, avalia os benefícios e, aí, escolhe o quê e quando fazer de forma eletrônica. Agora, esse processo não é assim tão democrático, porque milhões de brasileiros não têm essa escolha para fazer.

Vinte e oito por cento dos domicílios do país ainda não têm internet. E, entre os brasileiros que acessam a rede, 58% só têm o celular para navegar.

“Como você fala de tecnologia se nem mesmo na favela, muitas vezes, nem uma fibra ótica tem? Ou nem mesmo a internet de qualidade tem? Porque, muitas vezes, as antenas estão longe da favela, então o sinal chega fraco, chega ruim”, questiona Marcivan Barreto, presidente da CUFA-SP.

Na casa onde Marcia mora com os três filhos, além de o sinal ser ruim, é apenas um celular para todo mundo. Como pensar em compras pela internet se ela não consegue nem garantir que os filhos assistam às aulas?

“No momento, eu não me sinto incluída. A minha família, incluída? Dá até aquela sensação de que você não pode fazer nada, de estar de mãos atadas”, conta Marcia Leite Varjão, auxiliar de cozinha desempregada.

 
Fonte: Jornal Nacional
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/10/01/desafios-do-comercio-eletronico-crescem-com-aumento-das-vendas-pela-internet-na-pandemia.ghtml

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