Marco Regulatório. Obsoleto, regime de concessão de telefonia fixa é grande preocupação de operadoras; visto como fundamental para consolidação no setor, acordo começa a sair do papel
São Paulo – Criada em 1997, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) começa a ganhar novos contornos. Após envio de sugestões da iniciativa privada e da sociedade civil, o governo começa a pensar em mudanças. No centro das discussões, um ponto é consenso: a troca da telefonia fixa pela banda larga como item fundamental.
A forma como isso ocorrerá e o destino das concessões de telefonia fixa vigentes ainda preocupam o setor. Com quase 19 anos, a LGT foi instituída quando o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) ainda era prioridade do governo. Na ocasião, contratos de concessão para a prestação do serviço foram firmados até 2025 junto às teles, acompanhados de garantias e metas de universalização. A atualização tecnológica, porém, difundiu rapidamente o acesso à banda larga entre os brasileiros e diminuiu a atratibilidade da telefonia fixa, tornando a manutenção dos compromissos vigentes onerosa às concessionárias – entre elas, Oi e Telefônica.
A reformulação do marco regulatório, iniciada com a consulta pública que se encerrou no último dia 15, pretende buscar soluções para a questão antes da revisão quinquenal dos contratos, marcada para abril.
“A questão é: se acabarmos com as concessões [de STFC], vamos transformá-las no quê?”, indaga a advogada e especialista em telecomunicações do escritório Mattos Filho, Thays Castaldi Gentil. “Não há acordo unânime no lidar com os investimentos já feitos e as obrigações”, completa ela.
Mesmo as duas maiores interessadas na resolução divergem quanto ao tema: enquanto a Oi defende o fim antecipado do regime de concessão, a Telefônica preconiza o cumprimento do contrato até o seu final, desde que uma flexibilização das regras de universalização e qualidade ocorra.
“Manter as atuais metas de universalização inseridas nos contratos de concessão requer um altíssimo nível de investimento, com um benefício social muito reduzido, em função do declínio da essencialidade do serviço”, declarou a Telefônica, no documento enviado ao Ministério das Comunicações (MC). “Nas obrigações de acesso coletivo, os baixos níveis de utilização dos TUPs [terminais de uso público, ou orelhões], indicam que existe espaço para a racionalização de tais obrigações do serviço sem danos aos usuários”, dizia a nota.
Pela “racionalização” subentende-se medidas como a troca de investimentos na manutenção de orelhões por aportes que liguem regiões mais distantes à banda larga (backhaul). “Não teríamos problemas em substituir, desde que encontremos uma lógica jurídica e comercial”, relata ao DCI o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel, Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy.
A ideia, entretanto, esbarra naquele que é o ‘calcanhar de Aquiles’ das concessionárias: os bens reversíveis. “O conceito foi introduzido na LGT para impedir que o serviço operado em concessão fosse interrompido, garantindo que os bens utilizados retornassem à União”, explica Levy. Com o passar do tempo, entretanto, a medida virou um fator inibidor de investimentos para às teles, uma vez que a infraestrutura construída sairia do guarda-chuva das empresas a partir de 2025.
A solução preconizada pelo SindiTelebrasil envolve um novo regulamento de reversibilidade de bens. Entre as demandas estão a exclusão de imóveis da lista de bens que seriam transferidos para o governo e um novo olhar sobre as redes multisserviços.
“No caso de uma empresa que passa dados e voz através da mesma fibra óptica, não se deveria considerar o cabo reversível”, exemplifica Levy.
Público x privado
Apesar do aparente consenso sobre à importância da banda larga dentro do futuro marco regulatório de telecomunicações, o regime no qual a universalização do serviço deveria ocorrer também é alvo de debates.
Entidades representantes da sociedade civil, como o Intervozes e a Proteste, manifestaram que a oferta de banda larga deveria ser realizada a partir de regime público. “Não há dúvida de que nosso ordenamento jurídico já reconheceu a essencialidade do acesso à rede, caráter que se estende aos serviços de telecomunicações que lhe dá suporte. Só isso já seria suficiente para uma regulação diferente para a banda larga, calcada no regime público”, sinalizou o Intervozes ao MC.
No entendimento do SindiTelebrasil, mudar o regime atual de autorização para um modelo de concessões seria inviável e não seria de interesse das operadoras ou do mercado. “Seriam necessárias novas licitações, o estabelecimento de um controle tarifário e de metas de cobertura. Uma quantidade enorme de empresas já operam banda larga e nenhuma delas teria interesse de se submeter à uma concessão do gênero. É muito trabalho”, ponderou Levy.
Para Thays Castaldi, do Mattos Filho, tal caminho seria “perigoso”, mas tornaria possível a utilização do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) como incentivo à construção de infraestrutura para banda larga. Atualmente o fundo não é utilizado para seu objetivo original, mas sim para composição do superávit primário do governo. De acordo com o Orçamento Geral da União de 2016, o Fust deve gerar R$ 1,46 bilhão aos cofres em 2016.
Subsídio
Entre as entidades que defendem o destravamento da verba está a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom). De acordo com o presidente, Sergio Paulo Gallindo, uma das propostas enviadas pelo grupo ao MC está o emprego do Fust como forma de subsidiar a operação de pequenos provedores de internet.
“Os grandes provedores não precisam de subsídios, até porque muitos têm acordos com as operadoras para que o tráfego não seja cobrado ao usuário. Para o pequeno, isso é um problema, pois gera uma assimetria de mercado”, declarou Gallindo. Entre as propostas da Brasscom também figura a permissão para que provedores de internet ofereçam pacotes diferenciados para pessoas físicas e jurídicas. A ideia poderia entrar em conflito com o conceito de neutralidade de rede proposto pelo Marco Civil da Internet, mas permitiria “novos modelos de negócio”, conforme a entidade.
A discussão sobre a regulamentação das provedoras de serviços over-the-top-content (OTTs) também está na pauta da consulta pública. Empresas como a Netflix enviaram suas contribuições: no caso da plataforma de streaming, foi reforçado o temor sobre os efeitos de uma regulamentação sobre as OTTs – algo pleiteado pelas teles – e rechaçada a possibilidade de cobrança extra para aplicações que demandam uma grande quantidade de banda larga. “É imprópria a noção, muitas vezes difundida, de que provedores de conteúdo não contribuem para o desenvolvimento das redes para tráfego de dados”, afirmou a empresa na contribuição enviada ao MC.
Uma desoneração mais agressiva para os módulos machine-to-machine (M2M), que permitem a operação da Internet das Coisas, também esteve na lista de pedidos de entidades com a Brasscom.
Henrique Julião
DCI