Cristina De Luca
26/06/2018 08h53
A semana começou movimentada em Brasília, em torno do PLC 53/18, que dispõe da proteção de dados pessoais. O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), relator do PL na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), convocou uma sessão de debates para esta terça-feira às 11 horas, para ouvir opiniões de múltiplos setores.
Diante de recentes manifestações da Febraban e outras organizações descontentes com os acordos que tornaram possível a aprovação do texto do PL ainda na Câmara, organizações como a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) e a Coalizão Direitos na Rede decidiram publicar manifestos multissetoriais defendendo a imediata aprovação do PLC 53/2018 e seu texto, que entendem ser fruto de uma posição mediada entre todos os setores envolvidos, numa efetiva demonstração de que processos participativos e democráticos produzem legislações equilibradas.
O manifesto da Coalizão é bem claro. Diz que o texto do PL enviado ao Senado “concilia a proteção de garantias e liberdades fundamentais com interesses econômicos. Cria um sistema de proteção individual e coletivo e explicita regras claras para o tratamento de dados pessoais. Estabelece princípios para a coleta e uso, afirma direitos, cria mecanismos de avaliação de riscos, define conceitos de forma precisa e orienta tanto o setor público quanto o privado em suas responsabilidades e deveres. Viabiliza uma dinâmica política da lei, sem descuidar da complexidade da vida real, ao criar uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais, a quem caberá acompanhar a aplicabilidade da lei, fiscalizar seu cumprimento pelos setores público e privado, e receber denúncias. Esta autoridade será um instrumento de efetivação da regulação, alinhada com as melhores práticas internacionais sobre o tema”.
Alerta ainda que “setores insatisfeitos com o texto aprovado na Câmara, incapazes de aceitar o equilíbrio entre as diversas partes envolvidas, querem assegurar apenas o atendimento aos seus interesses particulares. Quais? O texto enumera:
“De um lado, o setor financeiro e as seguradoras pretendem modificar previsões sobre legítimo interesse, compartilhamento entre empresas e tratamento dos chamados dados sensíveis (por exemplo, biometria). De outro, o próprio Governo Federal tenta manter o Estado fora da lei, desobrigando o poder público de cumprir os princípios e regras do que deveria ser uma lei geral para o Brasil. Representantes do Executivo têm afirmado que a Advocacia Geral da União pedirá o veto de parcela fundamental do texto aprovado na Câmara, caso o projeto vire lei. Entre os pontos questionados está a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados”
Já o manifesto da Brasscom, previsto para ser divulgado na manhã desta terça-feira, antes do início da sessão da CAE no Senado, é um pouco mais comedido, mas já conta com a adesão da própria Coalizão e de outras entidades do setor empresarial, como Associação do Crédito Digital (ABCD), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert),
Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação e Comunicação (Assespro), e Federação Nacional da Empresas de Informática (Fenainfo). Limita-se a pedir a aprovação célere do PLC 53 e a reforçar a importância de criação de Uma DPA independente. Mas também se preocupa em reafirmar que o texto aprovado na Câmara, agora sob análise do Senado, foi fruto de debates empreendidos nas duas casas do Congresso Nacional, envolvendo autoridades públicas e representantes da academia, da sociedade civil e dos setores empresariais, intensificados nos dois últimos anos, que lograram “conquistar exitosa convergência”.
“Entendemos que o PLC nº 53/2018 atende a imperiosa necessidade segurança jurídica para cidadãos e agentes econômicos. O Senado tem oportunidade ímpar de conferir protagonismo ao Brasil, em termos de legislação de dados, passo fundamental para a inserção do País em foros internacionais bem como, de proporcionar um ambiente de negócios seguro que potencialize a atração e materialização de investimentos na ordem de R$ 250 bilhões (Brasscom e Frost & Sullivam) em tecnologias de transformação digital até 2021”, diz o texto.
“O PLC nº 53/2018, ora sob a análise do Senado, é considerado pelos signatários deste manifesto, um texto que está em sintonia com as melhores práticas internacionais, equilibrando a garantia dos direitos individuais com a indução de novos modelos de negócios intensivos em dados”, completa.
É importante ressaltar que, pela primeira vez, a sociedade civil e o empresariado estão unidos em torno de um mesmo encaminhamento: a aprovação célere do PL 53.
A ideia da Brasscom é, tal como a última carta aberta em defesa da autoridade de proteção de dados, a DPA, deixar esse manifesto aberto a adesões posteriores. Há algumas entidades que têm interesse em assinar mas que,por questões de governança interna, não conseguirão fazê-lo ainda hoje.
Febraban é uma das poucas vozes dissonantes
No início deste mês, em um seminário do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac), o representante da Febraban, Antônio Negrão, fez duras críticas ao PLC 53. Na semana passada, ao saber que a federação dos bancos havia formalizado as críticas de Negrão em um documento que circulou em Brasília com o objetivo de sensibilizar o senador Ferraço visando mudanças no texto do PL, pedi um posicionamento oficial da entidade. A assessoria da Febraban retornou com o posicionamento oficial: “De forma geral, a FEBRABAN não comenta projetos de lei. Apenas leis já sancionadas”.
De acordo com eles, as opiniões externadas por Negrão no seminário eram de cunho pessoal. “Um desabafo”, me disse o assessor.
No documento que circulou em Brasília a Febraban sugere várias mudanças no texto do PL:
Em relação ao legítimo interesse, a Febraban alega ser “essencial que a norma não limite no texto legal ou em regulamento as hipóteses de legítimo interesse, visto que estas dependem do responsável e das atividades por este exercidas. As hipóteses de aplicação do legítimo interesse incluem, mas não se limitam aos exemplos de situações de prevenção a fraudes, compartilhamento entre empresas do mesmo grupo, atividades de marketing e prospecção de clientes, avaliação de risco, melhoria e segurança das atividades exercidas pelo titular, entre outras situações. ”
Em relação ao consentimento, “que a redação original do PL dispõe sobre a exigência de consentimento para “uma finalidade determinada” e com o intuito de evitar a necessidade de múltiplos consentimentos do titular, podendo causar o fenômeno conhecido como “fadiga do consentimento”, entendemos relevantes as alterações indicadas nos arts. 5º XII, 7º § 5º e 8º § 4º. Ademais, ressaltamos que a extensa adjetivação do consentimento se mostra ineficaz e burocrática.”
Já sobre a multa de 2% do faturamento do grupo por infração, a federação alega que ela é desproporcional.
“A responsabilidade deve ser atribuída de acordo com a atuação de cada agente e dos danos efetivamente causados, sem que haja a imputação de solidariedade entre os agentes de tratamento dos dados”, diz a Febraban.
Já sobre a transferência internacional de dados, a federação do bancos ressalta “a necessidade de análise do legislador sobre as hipóteses que limitam a transferência internacional e defendemos que as alterações indicadas são absolutamente legítimas e necessárias para viabilizar as transferências realizadas pelos responsáveis que se pautem em motivos relevantes e que fazem parte do funcionamento rotineiro do mercado ou para o cumprimento de direitos e obrigações”. Segundo a Febraban, “as transferências de dados pessoais para outros países fazem parte do funcionamento trivial de mercado, bem como para o cumprimento de direitos e obrigações (como no caso de pagamentos e transferências internacionais, operações de câmbio, importação e exportação, transferência de dados entre empresas do mesmo grupo). Obstar tais atividades ou as limitar severamente significa criar entraves para a inovação e o desenvolvimento do país e vai contra ao objetivo da futura lei. Além disso, a limitação em questão pode prejudicar o investimento estrangeiro no país e a atuação de empresas, além dos próprios titulares.”
Na opinião de muitas das entidades que assinam os manifestos desta semana, e que têm entre seus associados os principais prestadores de serviços da cadeias de processamento de dados das instituições financeiras”, os pleitos da Febraban são desatualizados.
“Acho que já avançamos em todos esses pontos”, me disse um articulador político familiarizado com a tramitação do PL e com os debates em torno da proteção dos dados pessoais no setor empresarial. “A Febraban chegou atrasada no debate. Está 3 anos atrasada em pontos que tínhamos ou queríamos 3 anos atrás. Não passaram pelo debate e ainda estão buscando o mundo ideal. Enfim, estamos buscando conversar com eles e mostrar os limites do debate. A intenção deles era fazer ajustes mais profundos no texto, que inevitavelmente levaria de volta pra Câmara. Estamos conversando com ele para tentar dissuadi-los”, completou.
A Febraban deve participar dos debates de hoje na CAE. Terá mudado o seu entendimento?
A ver.
Como disse outro interlocutor do setor empresarial, “se ficarmos buscando a perfeição nunca teremos um marco legal e que o PL é o melhor que chegamos até agora considerando todos os interesses sociais no debate. Pode melhorar,? Sempre pode. Mas é hora de ser pragmáticos e avançar”.