HYNDARA FREITAS – O ESTADO DE S.PAULO
Estudo realizado pela UFRJ mostrou aumento nos níveis de autocontrole, empatia, autoconhecimento e habilidades sociais
Foi-se o tempo em que as disciplinas básicas como Português, Matemática, Geografia, História, Ciências e Educação Física eram consideradas suficientes para formação completa de uma criança. Nos últimos anos, especialistas em educação perceberam que as habilidades cognitivas não bastam, e a capacidade dos alunos de lidarem com suas emoções entrou no radar das instituições – até das universidades. E aí entra o ensino das habilidades socioemocionais.
Pouco tempo após ser inserido em algumas escolas, os resultados desse aprendizado são otimistas, ao menos de acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo analisou os níveis de autocontrole, empatia, autoconhecimento e habilidades sociais de 9.608 alunos de 10 a 17 anos que foram submetidos ao programa Semente de habilidades socioemocionais, que é realizado em diversas escolas brasileiras.
No início do ano letivo de 2017, cerca de 9,6 mil estudantes distribuídos em escolas nas cinco regiões do País tiveram acesso a uma plataforma online, na qual responderam a um questionário com 45 perguntas. No final de 2017, o mesmo grupo respondeu ao mesmo questionário, após quase um ano de experiência com o programa em sala de aula. Os dados indicaram impactos positivos em todos os domínios avaliados. Analisando cada item, a magnitude das mudanças em empatia cognitiva emocional variou 2,3%, o autoconhecimento aumentou 13,5%, o autocontrole, 13,9%, e as habilidades sociais, 7,2%.
Para verificar se as diferenças eram estatisticamente significativas, foram realizados testes t de Student, que mostraram que todos eram significativos. “O Programa Semente, em nível nacional, foi capaz de ampliar os níveis de habilidades socioemocionais em todas as facetas”, afirma o pesquisador Bruno Damásio, do Departamento de Psicometria da UFRJ e responsável pelo estudo.
“O programa tem um material do aluno e materiais em vídeo para o professor. Os vídeos têm cinco minutos cada, e depois vêm a discussão e as atividades práticas. Quem vai ministrar o programa é o gestor da escola que acata a metodologia. O professor recebe uma formação do Programa Semente e tem vídeos-aula que guiam sobre como ele deve proceder em cada uma dos assuntos”, explica Celso Lopes de Souza, psiquiatra e fundador da metodologia, que já é ministrada a cerca de 35 mil alunos em escolas privadas de todo o País.
As análises foram realizadas separadamente para meninos e meninas, bem como para alunos do 6º ao 9º ano, e a diferença entre os gêneros não foi relevante. As meninas começaram o estudo em quase todos os critérios, com pontuações levemente superiores aos meninos. Estes, no entanto, obtiveram maior crescimento que as meninas em praticamente todos os critérios, fazendo com que ficassem no mesmo patamar. “Ou seja, o efeito do Programa Semente pode ser considerado equivalente para meninos e meninas do 6º ao 9º ano”, explica Damásio.
O único critério com diferença relevante foi a empatia cognitiva-emocional. Antes do Programa Semente, as meninas apresentavam um desenvolvimento 9,65 pontos maior que o dos meninos. A diferença aumentou levemente para 9,76 pontos. Em relação às séries, os desempenhos variaram pouco entre si. Isso significa que a maturidade referente à idade não teve influência, já que mesmo em séries diferentes as pontuações iniciais para todas as habilidades avaliadas eram próximas e a evolução não variou muito de uma série para a outra.
O autoconhecimento foi a competência que mais melhorou após a metodologia, e Souza explica que ela é importante pois possibilita aprender a nomear as emoções. “Os alunos precisam aprender, por exemplo, a diferença entre estar desapontado, que é da família da tristeza, e estar frustrado, que é da família da raiva. Isso é alfabetização emocional. Depois, vem a parte da regulação, que é fazer os alunos entenderem que não são os fatos que atormentam os homens, e sim aquilo que pensamos sobre os fatos. A ideia é mostrar que são os pensamentos que determinam as emoções, e assim a gente ganha um instrumento para modulá-las quando elas não estiverem ajudando”.
O psiquiatra entende que o aprendizado de habilidades socioemocionais, principalmente no que diz respeito ao autocontrole e empatia, pode ajudar as crianças e adolescentes a lidarem melhor com sua saúde mental e auxiliar as escolas e responsáveis a identificarem possíveis transtornos.
“A gente não pode fazer essa correlação de modo direto, mas esperamos que em breve tenhamos dados sobre isso. Cerca de 90% dos suicídios têm relação com alguma doença psiquiátrica [segundo dados da OMS], e, com esse ensino, é possível que haja uma diminuição nos casos de suicídio”, diz. O assunto virou tema recorrente em reuniões de pais e professores nos últimos anos, principalmente após casos de suicídios em tradicionais colégios de São Paulo virem à tona, e ganhou as redes sociais no ano passado, após a estreia da série 13 Reasons Why.
Além disso, o ensino de habilidades socioemocionais ainda tem reflexos positivos no desempenho acadêmico. De acordo com pesquisa do departamento de psicologia da Universidade de Chicago, realizada com 270 mil alunos da pré-escola ao ensino médio que foram submetidos ao aprendizado de competências socioemocionais, houve uma melhora de 11% em suas notas.
“Os estudantes evoluíram muito e os resultados mostram que estamos no caminho correto. Não adianta apostar em algo que não funciona. Por isso contamos com uma auditoria externa para avaliar nosso trabalho. Educação requer esse tipo de cuidado”, diz Souza. Nos próximos anos, os alunos continuarão sendo avaliados, para que se verifique o impacto longitudinal do programa, estabelecendo comparações entre as séries e segmentos à medida em que avançam para os anos subsequentes.