Eliezer Silveira Filho (*)
Mark Zuckerberg diante de uma nova audiência, sentado de terno e gravata diante de diversos questionamentos de parlamentares americanos. Diferente da imagem tradicional que temos dele, um jovem de calça jeans e camiseta, que virou ícone da geração do Vale do Silício e já teve a história de sua empresa retratada em um filme vencedor de algumas estatuetas do Oscar. Essa grave mudança de cenário é reflexo do grande escândalo revelado no final de semana dos dias 17 e 18 de março, onde os jornais The Guardian, Observer e The New York Times divulgaram que os dados pessoais e atividades on-line de 50&n bsp;milhões de perfis do Facebook foram arquivados e utilizados para fins eleitorais pelo sistema do Cambridge Analytica, sem autorização para tal. Isso revelou um uso danoso e obscuro das redes sociais, algo que fere a liberdade pessoal. Após isso, uma pesquisa feita na Alemanha revela que apenas 33% das pessoas acreditam que as redes sociais têm um efeito positivo com relação à democracia.
Entre respostas a questionamentos sobre o uso dos dados dos usuários, junto com pedidos de desculpas por não conseguir garantir a privacidade dos dados das pessoas, o escândalo foi apenas a ponta do iceberg dos problemas da plataforma. Foi descoberto que entre 2015 e 2017, os aplicativos do Facebook coletaram todos os dados de ligações e SMS trocados nos aparelhos com sistema operacional Android, incluindo números de telefones, duração das chamadas, dados de contatos, entre outros. Esses dados só pararam de ser coletados quando o Google bloqueou o acesso a esta API.
Diante de tantas polêmicas, podemos estar diante do fim da principal rede social do mundo. Porém, segundo uma reportagem recente da AdAge, entre os 1000 maiores investidores de anúncios no Facebook, apenas sete deixaram de comprar anúncios depois da divulgação do escândalo da Cambridge Analytica e seu impacto nas eleições presidenciais americanas de 2016 e o Brexit, segundo uma análise realizada pela plataforma de inteligência digital Pathmatics.
O próprio jornal The New York Times, pioneiro na divulgação do escândalo, continuou a investir na plataforma para conquistar novos assinantes. E se consultarmos os rankings de downloads de aplicativos nas plataformas móveis, ainda vemos o ícone azul em sua posição de destaque entre os primeiros aplicativos mais baixados.
Além disso, as ações do Facebook têm maior alta em quase dois anos após o depoimento de Zuckerberg, transformando o reconhecimento do erro num grande propulsor para o fortalecimento da empresa.
O Facebook é uma plataforma, e como tal, depende de parceiros, comunidade, usuários, desenvolvedores para fazer o sistema crescer. No livro “Plataforma: A Revolução da Estratégia”, Geoffrey G. Parker estrutura os fatores de sucesso deste modelo de negócios. “Algumas trocas envolvem moedas intangíveis: atenção, popularidade, influência, entre outras. Portanto, um tipo do efeito de rede é a maior atratividade da moeda disponível numa plataforma que vem crescendo de tamanho.” No caso do Facebook, os dados de mais de 2 bilhões de usuários virou uma moeda para atrair anunciantes e desenvolvedores à plataforma.
Para gerenciar isso, no melhor estilo plataforma onde os efeitos de rede são importantes em todos os aspectos, a rede anunciou um programa de recompensas para denúncias de abusos de dados dentro da rede social. Chamado de Data Abuse Bounty, segue a mesma estrutura de programas de detecção de bugs realizados por empresas de tecnologia, recompensando usuários a partir da detecção desses problemas.
Essa história ainda está longe do final, mas traz uma reflexão importante sobre a responsabilidade das empresas que detêm informações dos usuários. Para defender um mundo mais aberto e conectado, é importante ser mais confiável. Numa releitura da famosa frase de Antoine de Saint-Exupéry, “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que compartilhas”.
(*) Eliezer Silveira Filho é CMO da Stefanini, quinta empresa brasileira mais internacionalizada segundo Ranking da Fundação Dom Cabral 2017.