Urge, portanto, que o STF se debruce sobre o tema e decida-o a partir dos marcos legais e precedentes aplicáveis
A Era Digital, também referida como a 4ª Revolução Industrial, avança, célere, transformando paradigmas econômicos e socioculturais. Certos aspectos característicos já se incorporaram ao nosso dia a dia, tais como: (i) a proliferação de smartphones, disponibilizando capacidade computacional com usabilidade intuitiva e sempre conectada à Internet; (ii) o acesso, por meio de buscadores, a um acervo informacional sem precedentes, em forma de texto, infográficos, fotos, mapas com geolocalização dinâmica e vídeos; e (iii) as redes sociais, possibilitando interação sem fronteiras e a formação de grupos de interesse, viabilizadas por meio de permuta de tais utilidades pela cessão e tratamento de dados pessoais para fins de publicidade. Observamos, ainda, surgimento de novos modelos de negócio sob a forma de plataformas, por exemplo, as voltadas à mobilidade urbana, à hospitalidade e à arregimentação coletiva de fundos, ou crowdfunding.
Tem-se que tal fenomenologia se dá na esteira do crescimento exponencial da capacidade computacional – processamento, armazenamento e comunicação de dados – e pela natureza combinatória dos avanços tecnológicos, levado a efeito pela mobilização de capital público e privado a partir de atuação majoritariamente empresarial, sob o manto da proteção das patentes e dos direitos autorais. Reconhece-se que a economia da Era Digital avança pelo efetivo uso de grandes massas de dados e o seu tratamento por meio de algoritmos, implementados por programa de computador, o denominado software.
Apesar de ser um país permeável à adoção de novas tecnologias e de gozar de certo protagonismo no desenvolvimento de software e na prestação de serviços de tecnologia da informação, o Brasil ainda não acordou para relevância de garantir segurança jurídica aos investimentos em propriedade intelectual. Nesse contexto, a bitributação de software é uma das graves disfunções no ambiente jurídico-econômico pátrio, merecedora de ser enfrentada por meio de arguições de inconstitucionalidade, como já ocorre.
Aprofundemos, pois, a questão…
Equipamentos com capacidade computacional são designados como hardware. São concebidos para executar instruções lógicas e matemáticas a partir de uma sequência de gravadas como sinais elétricos em substrato de silício. Hardware é bem móvel e pode ser objeto de operações de compra e venda ou de aluguel.
Um conjunto de instruções é denominado software. Na forma processável pelo hardware, o software se apresenta como uma sequência de “zeros e uns”, típica da lógica binária. Diferentes sequências de “zeros e uns” representam diferentes instruções. Um conjunto destas instruções interpretáveis pelo hardware é denominado código-executável. Objetivando viabilizar a criação de software com produtividade aceitável, os engenheiros criaram linguagens de programação de alto nível, cognoscíveis aos seres humanos, bem como, ferramentas capazes de trasladá-las em código-executável. Um conjunto de instruções em linguagem de alto nível é denominado código-fonte.
A natureza jurídica do software é de direito autoral, tanto conforme a Lei 9.609/1998, Lei de Software (“LS”), conforme dicção do seu Art. 2º “O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei”, quanto na sua caraterização como obra intelectual protegida, nos termos do Art. 7º, XII, na Lei 9.610/1998, Lei de Direitos Autorais (“LDA”), “fixada em qualquer suporte, tangível ou intangível”, segundo seu caput. Infere-se da exegese sistemática da LS que o direito de autor é comprovado pelo domínio de um certo código-fonte por parte de certo programador que o tenha criado, independentemente de registro de acordo com o seu Art.2º, §3º. Em consequência de sua natureza jurídica de direito autoral, e, portanto, direito real intangível, com caráter patrimonial e, software é também reputado como bem móvel, conforme a LDA, Art. 3º, que corrobora o Código Civil, Art. 83, III.
Ao abordar software sob o prisma da tributação, identificamos duas operações econômicas de interesse, a saber:
(1) A criação de software para terceiros, sem retenção de titularidade do direito autoral, decorrente da LS, Art. 4º: “Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato…”. Tal operação implica que o criador entregue o código-fonte ao contratante dos serviços;
(2) O licenciamento de uso (e gozo) do direito autoral, autorizado pela LS,
Art. 9º, por meio de contrato e reconhecido pela lei como forma de comercialização que vem acompanhada de garantias aos usuários. Esta operação se aperfeiçoa pela entrega do código-executável, gravado em mídia física magnética ou óptica, ou ainda, hodiernamente, por meio de transferência eletrônica (download).
A criação de software para terceiros (1), também conhecida como software sob encomenda, é uma operação interempresarial arrimada em negócio jurídico que tem como núcleo, por parte do contratado, (i) uma obrigação de fazer – por exemplo, o desenvolvimento, a codificação e os testes de um novo software – seguida de (ii) uma obrigação de dar o código-fonte ao contratante. A entrega do código-fonte aperfeiçoa o direito autoral do contratante, conferindo-lhe a condição de titular do bem e como decorrência, todas as suas faculdades e prerrogativas, dentre as quais, a capacidade para dispor do software, corrigir erros (bugs), modificá-lo, expandi-lo, contratar outro prestador para fazer tais atividades, licenciar seu uso (e gozo) e ceder, parcial ou totalmente o seu direito autoral. Portanto, trata-se, claramente, de operação de serviço, que se subsume à incidência tributária do ISS. Os itens 1.01, 1.02, 1.04 e 1.08 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003 (“LC 116”), com redações dadas pela Lei Complementar nº 157/2017, são espécies de operações deste gênero.
O licenciamento de uso (e gozo) do direito autoral (2), usualmente oneroso, realizado por meio de contrato próprio, conforme a LS, Arts. 7º e 8º, confere ao licenciado direitos limitados sem que haja a transferência de titularidade, caracterizando-se como uma cessão parcial de direitos. O contrato de licenciamento envolve duas obrigações de dar por parte do licenciante: (i) uma obrigação de dar o direito de uso (e gozo) e (ii) uma obrigação de dar o código-executável como meio, intangível, para viabilizar o uso e gozo do direito.
O direto de uso é elencado no rol de direitos reais do Código Civil, Art. 1.225, V. Todavia, a dicção do Art. 1.412 é restritiva e assentada em conceitos de propriedade imobiliária, urbana ou rural, que pouco refletem a realidade das modernas tecnologias. Pontes de Miranda, todavia, alarga este horizonte: “O uso consiste em aproveitar-se da utilidade, excetuados os frutos” i. Ao incluir o conceito de utilidade, o autor incorpora ao direito de uso vantagens auferíveis pelo usuário que transcendem os frutos diretos, sem incluí-los, contemplando, também, vantagens pecuniárias indiretas. O escólio de Luciano Penteado informa-nos que:
“A função de gozo … pertine ao fato de que se destinam à satisfação de necessidades, relacionando-se à utilidade que o bem proporciona ao seu titular. Gozar, em sentido mais estrito, é fruir, aproveitar-se de vantagens que o bem tem aptidão de gerar”.ii
O contrato de licenciamento de software é, pois, um instrumento de constituição de direitos reais sobre coisa alheia, em linha com pensamento de Luciano Penteado:
“[…] sempre que se tratar do usufruto, do uso, … a par da figura do titular destes direitos conviverá o a figura do proprietário. Como ele tem direito sobre a coisa própria, os demais se dizem titulares de um direito real sobre coisa alheia, isto é, do proprietário. … Reduz-se o plexo de faculdades da situação dominial, mas mantem-se a função de gozo, isto é, de conferir um meio aproveitamento e cria-se um novo direito real”.iii
Em suma, o direito (real) de uso (e gozo) de um software é garantido por um contrato de licenciamento de uso e o seu exercício é viabilizado por meio da entrega do código-executável, inteligível ao hardware. A função de gozo abarca todas as utilidades proporcionadas por um software, como por exemplo: entretenimento por meio de jogos, músicas e vídeos; ferramentas de produtividade, tais como, editores de texto e planilhas; ferramentas de gestão empresarial; execução de cálculos complexos; dentre outras. A LS, Art. 6º, I, autoriza o licenciado a fazer uma cópia para fins de salvaguarda (backup). O contrato de licenciamento pode estipular, ainda, autorização para instalação em vários computadores, o prazo do licenciamento e os detalhes relativos ao suporte técnico, conforme a LS, Art. 8º.
Outrora, praticava-se o licenciamento de software por prazo indeterminado mediante o pagamento parcela única no momento da aquisição, modelo conhecido como direito de uso perpétuo. Novas versões, do mesmo software, eram sujeitas a aquisição de novas licenças de uso. Modelos de comercialização mais recentes abandonam licenciamento perpétuo por versão, em favor de contratos por tempo definido e pagamentos mensais, que dão direito a todos os aprimoramentos disponibilizados.
Constata-se, pois, que a operação de licenciamento de uso (e gozo) de software é equivalente a aluguel de bem móvel intangível. Assim sendo, a subsunção tributária do licenciamento de software está vinculada à interpretação constitucional, empreendida no bojo do RE 116.121/SP, cujo Acórdão, de 25/05/2001, redundou na edição da Súmula Vinculante nº 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis” e, posteriormente, no veto Presidencial ao item 3.01 “– Locação de bens móveis” da Lista de serviços anexa à LC 116, quando de sua sanção.iv
Ocorre que a Lista de serviços anexa à LC 116 também trouxe ao universo tributário o item 1.05 “– Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”, que, como já sobejamente arrazoado, não se coaduna com o figurino constitucional, nas palavras do Min. Marco Aurélio, relator do RE 116.121/SP, que acrescenta:
“Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional”.v (“CTN”)
O referido item 1.05 deveria ter sido objeto de veto similar ao que fulminou o congênere item 3.01. A carência hermenêutica à época maculou de inconstitucionalidade o diploma regente da tributação de serviços.
Todavia, o debate sobre a tributação de software fora iniciado no seio do RE 176.626/SP, bem antes da jurisprudência vinculante nº 31, cujo Acordão de 10/11/1998, abordou, sem decidir por não conhecer do recurso, a possível incidência de ICMS. A respectiva Ementa assim elabora o tema:
“III. Programa de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária.
Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” — matéria exclusiva da lide —, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo — como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) — os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.”vi
Na esteira e em linha com o Acordão suprarreferido, conheceu e decidiu o STF, em 1999, o RE 199.464/SP, conforme o excerto da Ementa a seguir:
“[…] julgamento do RE 176.626 … assentou … distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar standard de programa de computador, também chamado “de prateleira”, e o licenciamento ou cessão do direito de uso de software. A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS.”vii
Com a devida vênia, os julgados apresentam-se suscetíveis a vários questionamentos.
A segregação de tipos de software com base em características técnicas ou em modelos de negócio não é, à luz do CTN, Art. 110, técnica jurídica própria para determinar tributação. A tecnologia da informação avança aceleradamente, impulsionada pela inovação, na contínua faina de destruir o status quo substituindo-o por algo novo. Os chamados softwares de prateleira já não mais existem e o que era standard tornou-se personalizável.
No passado o corpus mechanicum (CD-ROM ou DVD) fazia chegar às mãos do adquirente o código-executável e o contrato de licença do direito de uso, obrigatório desde da vigência da LS. Atualmente o código-executável é transferido por download e o contrato está disponível na Internet. Diferentemente de um livro, não é o domínio sobre corpus mechanicum que determina o direito de acesso à obra intelectual, mas, sim, a licença de uso plenamente validada. O uso de um software cujo corpus mechanicum tenha sido fraudado, constitui ilícito contra o direito autoral, coloquialmente referido como pirataria de software. O uso de uma licença individual por vários usuários, também é pirataria.
A incidência de ICMS se dá, conforme a Lei Complementar 87/1993 (“LC 87”), Art. 2º, sobre “I – operações relativas à circulação de mercadorias”. Se faz mister bem caracterizá-las. O conceito de mercadoria é oriundo do Direito Comercial, vigente tanto à época da CF/88 quanto da LC 87, estando assentado em três características essenciais da mercadoria: (i) ser bem móvel, (ii) dotado de corporeidade e (ii) destinado ao comércio. Software, conforme a LDA, Art. 3º, é um bem móvel.viii Como já sobejamente demonstrado, software não é dotado de corporeidade, visto tratar-se de criação intelectual que só é passível de gozo quando armazenado e executado eletronicamente em um dispositivo computacional. Sem embargo, em face a circunstâncias fáticas que revelem animus mercantil, é destinado ao comércio.ixQuanto a circulação, longe de referir-se movimentação física, tem-se claro na doutrina tratar-se de conceito eminentemente jurídico que se encerra com a transferência de titularidade da mercadoria, do vendedor para o adquirente. É neste sentido que temos a sucinta e objetiva definição de Geraldo Ataliba e Cleber Giardino: “Circular significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria muda de titular, circula para efeitos jurídicos”,x corroborada por Roque Carraza:
“[…] circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há que falar em tributação por meio do ICMS. Esta ideia, abonada pela melhor doutrina (Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cleber Giardino etc.), encontrou ressonância do próprio STF.”xi
A transferência do código-executável, tanto por meio de corpus mechanicum (CD-ROM ou DVD) quanto por download não tem o condão de transferir a titularidade do direito autoral ao adquirente da cópia mediante contrato de licenciamento de uso. Ao contrário, o uso e gozo de uma cópia não respaldada e contrato constitui-se fraude ao direito autoral, coloquialmente referida como pirataria de software.
Com a massificação da Internet e advento dos portais de comércio eletrônico e das lojas digitais, tais como, App Store, Google Play e Microsoft Store, o corpus mechanicum, possível caracterizador da mercadoria, despareceu! O que não mudou, desde 1998, foi a natureza jurídica do software como direito autoral e como bem móvel intangível, sujeito a comercialização por meio de contrato de licenciamento de uso (e gozo), com natureza jurídica de aluguel.
É imperioso, portanto, rever a jurisprudência!
A partir e com base nesta excelsa jurisprudência, que deveria ter sido revisitada por ocasião da apreciação do RE 116.121/SP ou ainda na publicação da LC 116, UFs e Municípios têm empreendido, paralelamente, intensa produção normativa no tocante e exigibilidade do ICMS e do ISS sobre software. Estamos, com efeito, em meio a uma situação claríssima de bitributação, ab-rogada pela Constituição conforme observa Eduardo Jardim:
“O Estatuto Supremo repartiu as competências tributárias de modo sobreposse rígido. Deveras, outorgou a cada pessoa política uma faixa de competência privativa e exclusiva, vedando, por essa forma, qualquer possibilidade de bitributação ou pluritributação.”xii
Não bastasse o prolongado período imerso em inconstitucionalidade, eis que dois novos diplomas infralegais exasperam a situação de antijuricidade.
No dia 28/12/2015, o Confaz, Conselho Nacional de Política Fazendária, publicou o Convênio ICMS 181/2016, autorizando, na Cláusula Primeira, as UFs signatárias a “conceder redução na base de cálculo do ICMS, de forma que a carga tributária corresponda ao percentual de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do valor da operação, relativo às operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres”. Além de alargar a caracterização de software, asseverando serem padronizados ou adaptáveis, acrescenta sua aplicabilidade à disponibilização por qualquer meio, inclusive por download. Observe-se, ainda, que a autorizada redução da base de cálculo esconde, em realidade, um aumento substantivo da carga tributária. Até a publicação do convênio, maior parte das UFs calculava o quantum debeatur sobre o dobro do valor da mídia, significando uma carga tributária entre 0,3% a 0,9%, dependendo do valor do software em relação ao corpus mechanicum. xiii
Em 05/10/2017, a publicação do Convênio ICMS 106/2017 inova, outra vez, trazendo, na Cláusula Primeira, uma nova hipótese de incidência tributária, a saber, bens e mercadorias digitais, englobando software os mesmos demais itens enumerados no congênere 181/2016, bem como, a comercialização por meio de transferência eletrônica de dados. O novo diploma dispõe sobre o domicílio de recolhimento do tributo, define o contribuinte como sendo a pessoa jurídica detentora de site ou de plataforma eletrônica que realize a venda, obriga o cadastramento do contribuinte em todas as unidades da federação e possibilidade de atribuição de responsabilidade pelo recolhimento ao próprio adquirente ou ainda a pessoas jurídicas estranhas a operação comercial.
Os referidos diplomas infralegais, pressupostamente lastreados na jurisprudência do STF, expandem o espectro da incidência, rompendo, sobremaneira, com as circunscrições aludidas pela Magna Corte no tocante a incidência sobre software de prateleira e a entrega por meio de corpus mechanicum. Indubitavelmente, extrapolam competência em face ao princípio constitucional da legalidade tributária, CF/88, Art. 150, I, nullum tributum sine lege!
Não sem razão, portanto, verificamos judicialização do tema por meio de vários instrumentos. Destacamos a ADIs 1945/MS, submetida pelo PMDB, as ADIs 5576/SP e 5659/MG submetidas pela Confederação Nacional de Serviços – CNS e a mais recente, ADI 5958/SP, submetida pela Brasscom.[*] Relevante, também, o Mandado de Segurança Coletivo nº 1010278-54.2018.8.26.0053, interposto pela Brasscom contra a administração tributária do Estado de São Paulo, merecedor de Sentença favorável ao pleito de não sujeição às normas do Decreto Estadual nº 63.099/17 em razão da sua manifesta inconstitucionalidade, Decreto, este, publicado na esteira do Convênio ICMS 106/2017.
A situação de bitributação a qual estamos sujeitos é um contrassenso e um desserviço ao país na medida em que desestimula a atividade econômica em meio à Era Digital e sua acelerada e transformadora marcha. Estudo da Brasscom, com base em informações do IDC, dão conta de um potencial de investimentos de R$ 250 bilhões em tecnologias digitais, de 2018 a 2021, sendo 23% desse montante em software. A efetivação de tais investimentos depende de segurança jurídica, que se encontra abalada pela bitributação.
Urge, portanto, que o STF se debruce sobre o tema e decida-o a partir dos marcos legais e precedentes aplicáveis, contemplando de maneira abrangente as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, da mais recente à mais antiga, e levando em conta as reflexões acadêmicas hodiernas. Em assim laborando, oxalá, chegue o Pretório Excelso à inescapabilidade da natureza jurídica do software como bem móvel intangível, em função de ser protegido por direito autoral, tal qual é reconhecido nas nações tecnologicamente mais avançadas, que é comercializado mediante contrato de licenciamento de uso (e gozo) em operação econômica com natureza de aluguel, independentemente da forma como seja transferido o código-executável.xiv
*Este texto expressa exclusivamente a posição acadêmica do autor, não vinculando a Brasscom ou seus Associados.
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