Postado por Conjuntura Econômica

Affonso Nina, presidente-executivo da Brasscom

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Como tem evoluído a atividade no setor de tecnologia da informação e comunicação (TIC) desde o impulso provocado pela pandemia, em 2020?

O macrossetor de TIC (que inclui TI in house e telecom) continua crescendo a um ritmo importante, ainda que menos intenso. Nos últimos 3 anos, o crescimento médio foi de 11,9% ao ano. No ano passado, a produção setorial somou R$ 707,7 bilhões, com alta de 8,5% em relação a 2022. Um destaque importante é o crescimento do setor de TI in house, com empresas usuárias de TI aumentando suas áreas internas. É um movimento que se intensificou nos últimos cinco anos e veio para ficar. Se não olhamos para ele, deixamos de lado uma parcela importante do desenvolvimento de soluções tecnológicas.

As perspectivas continuam positivas, basicamente pelo movimento inexorável das tecnologias digitais, que permeiam cada vez mais a atividade das empresas e a vida do cidadão. Muitas empresas hoje já nascem em cima de um modelo de negócio apoiado em tecnologias, enquanto a economia tradicional vai agregando novas em sua atividade. Para ilustrar, enquanto no período 2023-26 a projeção de investimentos em TIC era de R$ 666,3 bilhões, para 2024-27 esse montante subiu para R$ 729,4 bilhões, impulsionado por essa transformação digital.

Em 2021, levantamento da Brasscom indicava um déficit importante de mão de obra qualificada, de meio milhão de profissionais até 2025 (leia aqui). Como essa projeção evoluiu?

Continuamos a ter déficit. Faremos um novo estudo agora para dimensioná-lo, mas a percepção é de um gap que cresce na velocidade da evolução tecnológica e sua adoção. De 2021 para cá, vimos a oferta em algumas ocupações ficarem mais perto da demanda, como para certos tipos de desenvolvimento, mas a dificuldade ainda é geral. Como sempre haverá tecnologias novas,  é preciso se preparar. Hoje falamos muito de inteligência artificial (IA) generativa, que envolve skills diferentes tanto para desenvolver quanto para usar.

O que temos chamado a atenção é para a necessidade de requalificação de pessoas. Temos que entender quais são os novos perfis demandados e fazer a adaptação. Na posição de desenvolvedores de código de programação, essa é uma demanda forte não apenas na formação de jovens, como para aqueles que estão em outros setores e aos 40 anos querem iniciar uma carreira em tecnologia. Alguém, por exemplo, que venha de uma indústria passando por um processo de automação. Ou que venha do varejo, em um segmento que passou a ter menos vendas em lojas físicas e mais virtuais. Há várias frentes. Um ponto positivo é que, para quem já tem alguma experiência, o setor de tecnologia permite ter treinamentos rápidos em termos de certificações e qualificações. E é bom, para as empresas, ter tanto jovens profissionais quanto alguém com experiência de ambiente de trabalho.

Em 2023, o macrossetor TIC continuou com saldo líquido positivo de contratações, de 29,2 mil empregos em relação a 2022 (o saldo em 2022 foi de 116,9 mil). Registramos desaceleração, mas não redução. Houve muitas notícias nos meios de demissões em massa, mas foram casos pontuais de empresas inchadas, assim como problemas no campo das start ups, por conta do enxugamento de capital disponível para esses negócios. Mas os dados consolidados foram positivos, e iniciamos 2024 mantendo essa tendência.

A Brasscom apoia alguma iniciativa privada ou política pública para incentivar essa requalificação?

Estamos preparando algumas propostas, conversando com instituições públicas, privadas e do terceiro setor que tenham capilaridade para esse treinamento. O fato é que não há segredo quanto às trilhas formativas para um jovem ou um profissional de mais de 40 anos que quer reaprender, à exceção de alguma adaptação na metodologia de aprendizado. O desafio está em dar escala, pois não adianta formar 10 mil se precisamos de 200 mil. E é sobre isso que estamos discutindo, para se chegar a esse alcance, tanto do ponto de vista geográfico quanto socioeconômico.

O setor trabalhou fortemente na defesa de prorrogação da desoneração da folha, que permite a 17 setores substituir a contribuição sobre a folha de pagamentos pela aplicação de uma alíquota sobre a receita bruta mensal de 1% a 4,5% de acordo com o setor. O que defendem no debate da reforma tributária?

Nosso setor é intensivo em mão de obra qualificada, com uma média de salário que é mais que o dobro da média nacional. A discussão mais ampla que queremos levar é sobre o custo de empregar formalmente no Brasil, que é alto e inibe a formalidade – algo que defendemos, com o Movimento Trabalho Ético. Exportaríamos mais serviços de TIC se houvesse uma carga menor. Sempre defendemos a atual desoneração da folha apresentando números sobre os ganhos de arrecadação para o país que ela implica, incluindo ganhos em contratação, em retenção de funcionários nos momentos de crise, contribuição de FGTS e IR, menos gastos com assistência social. Quem argumenta que há redução de arrecadação não olha o impacto como um todo.

Também advogamos um debate nacional mais amplo, que achamos que deve acontecer agora, que identifique que cada setor tem necessidades diferentes. Setores intensivos em mão de obra qualificada devem ter mecanismos para incentivar a contratação formal, da mesma forma que os intensivos em máquinas e equipamentos precisam de seus próprios incentivos para investir.

Qual a agenda da Brasscom para 2024?

O ponto que temos trazido ao debate é que o Brasil tem uma oportunidade de ouro de se posicionar no mundo das TI digitais, dede que tenhamos visão estratégica a longo prazo como país digital. Temos conversado tanto com o setor público quanto privado para desenvolver essa estratégica. Outros países o fizeram, ficamos para trás, mas ainda é tempo para se criar essa visão unificada de quais são as prioridades do Brasil em termos de desenvolvimento tecnológico, e fazer movimento tanto público quanto privado em termos de investimento. Isso envolve políticas públicas, formação de pessoas, P&D. Precisamos trabalhar na mesma direção.

O programa federal Nova Indústria Brasil não contempla essas demandas?

Essa política fala de inovação de forma transversal, pegando cadeias inteiras de produção. No campo da saúde, por exemplo, vai de equipamentos e medicamentos. É um primeiro passo. Mas quando falamos em tecnologias digitais, vamos além, no sentido de quem tem vários atores que precisam também trabalhar em conjunto, com a visão de que para o Brasil é uma prioridade estratégica desenvolver sua capacidade de produção e uso de tecnologias digitais. Isso vai apoiar uma política industrial, bem como as prioridades no campo econômico, social e ambiental.

Fonte: Conjuntura Econômica
https://ibre.fgv.br/blog-da-conjuntura-economica/artigos/precisamos-de-solucoes-em-escala-para-requalificar